Puerto Rico Re_Start
11 ago 2018
Brasileiras fazendo a diferença para a reconstrução do país
Sentir a necessidade de estudar e encarar novos desafios tem sido o elo conector entre as arquitetas Daniela Coppola (São Paulo), Eliane Florez Sanzone Garbero (Santos), Giselle Holz (Porto Alegre), Maria Victoria Marchelli (São Paulo) e Sabrina Marano Bogus (São Paulo), que se conheceram no campus do Citylab da Universidade da Florida em Orlando. O campus tem como diferencial um laboratório de práticas onde surgiu a oportunidade de estudar, conhecer e vivenciar a realidade de Puerto Rico.
Em março de 2018, a professora e diretora do Center of HydroGenerate Urbanism da UF, Martha Koehn, elaborou um workshop em Puerto Rico, em conjunto com a Universidade de Porto Rico, Universidade Sapienza de Roma e com a Universidade de Sevilha, chamado de Puerto Rico Re_Start, e as arquitetas foram as únicas brasileiras participando do evento, que visava achar alternativas para reconstruir o país. A NBC de Nova Iorque e a Telemundo de Porto Rico fizeram cobertura do evento, e acompanharam algumas das visitas e salas de estudo.
Durante todo primeiro semestre de 2018, as arquitetas tiveram o desafio de criar conjuntos habitacionais, e conhecer a ilha na sua composição geográfica, politica, habitacional e social. E através de aulas dinâmicas, puderam entender toda a estrutura física e social de um país que não é país.
A fim de criar projetos viáveis, foi necessário estudar a história, os recursos naturais, as demandas sociais e urbanísticas, e assim poder entender o quanto os porto-riquenhos carecem de uma reestruturação.
“Debatemos a persistência das comunidades informais, fato tão comum na América Latina, mas desconhecido do povo americano. A utilização de materiais construtivos tão diferentes dos praticados no continente. E tudo isso sendo debatido num laboratório de arquitetura frequentado por professores e alunos americanos, chineses, brasileiros, argentinos, colombianos, venezuelanos, trazendo a riqueza do viés mundial numa região de realidade tão atípica.”, diz Sabrina Marano Bogus.
Os furacões destelharam mais do que apenas as casas; eles descobriram a pobreza da ilha, uma vez que o FEMA (órgão governamental para gestão de emergências) libera recursos para recuperação dos imóveis apenas para quem tem a titularidade da propriedade e, como acontece no Brasil, muitas comunidades são assentamentos informais (comumente chamadas de favelas).
As brasileiras estiveram por 10 dias na ilha durante a conferência Puerto Rico Re_Start, com uma variedade enorme de palestrantres, como o arquiteto David Gouverneur, e Lucio Barbera, presidente da Unesco em Qualidade Urbana Sustentável, entre tantos outros. Além das palestras, visitaram áreas próximas a San Juan, também bem afetadas pela última temporada de furacão. “Fiquei assustada em ver que muitos dos danos (rodovias que foram interrompidas por deslizamentos, casas onde sobraram literalmente só o piso) ainda não foram reparados, mesmo depois de 6 meses. O interior da ilha ainda estava sem energia, por causa da queda de diversos postes de transmissão. E o mais aterrorizante é que a temporada de furacões 2018 já começou no início de junho. ”, conforme apontado por Eliane Florez Sanzone Garbero.
Durante o evento, participantes interdisciplinares, profissionais e acadêmicos se reuniram em torno de temas de investigação e propostas, eram 127 no total. Os alunos trabalharam juntos em equipes com professores convidados e locais para desenvolver propostas integrativas e interdisciplinares, com a participação de partes interessadas locais, comunidades, desenvolvedores privados e os municípios de Loiza, Canovanas e San Juan. As propostas foram discutidas publicamente e apresentadas a um júri.
No 9º dia os grupos apresentaram os trabalhos desenvolvidos para a banca da Conferencia e também para as prefeitas de Loiza e Canovanas. Foram desenvolvidos desde protótipos de novas tipologias de unidades habitacionais, espaços para agricultura urbana, até reuso de containers como espaço de armazenamento de suprimentos.
“Além do trabalho desenvolvido nos assentamentos informais, a reutilização dos mais de 40.000 edifícios abandonados da região metropolitana de San Juan também foi pauta. Discutimos a região de Santurce, que sofreu forte evasão populacional e encontra-se em progressivo estado de degradação. Propusemos a revitalização urbana através da requalificação dos espaços públicos e semi-públicos associada ao retrofit de edifícios significância histórica, recriando áreas habitacionais necessárias e promovendo o resgate do patrimônio histórico e cultural de Puerto Rico”, conta Daniela Coppola.
Foi uma experiência incrível, com pessoas de diversos países, o que permitiu um intercambio imenso de informações, também foi possível aprendemos muito com os moradores da ilha, sobre seus costumes, estilo de vida, e pudemos projetar em conjunto com estudantes de arquitetura da própria Universidade de Porto Rico, de forma que os projetos desenvolvidos atenderiam de fato as reais necessidades.
“No laboratório 03, ao qual participei junto com a Eliane conseguimos ter uma amostra da dicotomia urbana em Puerto Rico, onde nossa área de intervenção lidava com assentamentos informais, conjuntos habitacionais, infraestrutura urbana e se tratava de áreas com risco de alagamento, as margens da Lagoa de Corozos. O aumento do nível de água é um problema extremamente complicado e emergente, e a busca por soluções é que permite criar cidades mais resilientes”, conforme apontado por Maria Victoria Marchelli.
Durante o workshop, estudantes e professores tiveram a oportunidade de participar juntamente com TECHO (Teto, no Brasil, uma organização internacional que presta apoio voluntario na América Latina e Caribe) na reconstrução de casas da Villa Hugo, uma comunidade estabelecida irregularmente em zona alagadiça no bairro Canóvanas desde 1989 e uma das mais afetadas pelos furacões Irma e Maria.
“Foi muito gratificante, mesmo que pareça tão pouco frente às inúmeras dificuldades que o país vem sofrendo principalmente após os furacões do ano passado, ajudar a erguer paredes e telhados para devolver a dignidade de famílias que perderam tudo e ainda estão lutando. É importante discutir e estudar novas soluções para a maneira de construir, de viver e de utilizar os recursos naturais renováveis da ilha para que num futuro breve elas sejam aplicadas evitando que esta situação se torne um ciclo repetitivo trazendo problemas emergenciais além dos atuais problemas sociais, políticos e econômicos de Porto Rico.”, relata Giselle Holz.
Ainda há muito o que ser feito, sem dúvida, mas hoje mais do que nunca entendemos que é preciso começar de alguma forma, que a união faz toda a diferença e a arquitetura é realmente uma poderosa ferramenta para ajudar a criarmos um futuro resiliente.